Dia desses estava observando uma discussão acalorada em dos muitos grupos de SST que participo, este no Whatsapp. Alguém postou um vídeo de uma distribuidora conhecida de EPIs, em que um técnico apresentava uma “novidade” tecnológica: uma máquina dispenser de EPIs. É igual aquelas vending machines que tem água, salgadinhos e doces, que o usuário põe o dinheiro, escolhe no painel e o produto cai na bandeja. Só que funciona com EPIs. A discussão girou em torno da perda de um posto de trabalho, de problemas ou vantagens da inovação, de ter desvio de função, de ser TST “raiz” ou TST “Nutella”. Foram mais de 300 mensagens de defesas raivosas de pontos de vista, acusações, críticas e muito achismo. O entendimento do que afinal de contas um TST faz, é muito controverso mesmo entre profissionais com ANOS de estrada. É importante dizer que qualquer divergência sobre as formas de atuação deve sempre estar ancorada na legislação, e não na experiência pessoal.
A realidade da atuação do TST ainda é extremamente diversa nesse Brasil. Quem trabalha no corte de cana não supõe a realidade do hospital. Quem trabalha no Hospital tem uma percepção completamente diferente de quem está na construção civil, que por sua vez está muito distante da realidade de quem trabalha em indústria. E cada um desse segmentos tem suas próprias realidades divergentes: Hospital particular é diferente do Público. Obra em grandes construtoras é diferente da obrinha do seu zé empreiteiro. Industria metalúrgica é uma realidade completamente diferente da indústria alimentícia, e por aí vai.
Lá no grupo, uma parte defendia a atuação “operacional” – como eles mesmos chamaram – do TST. Com “operacional” eles quiseram dizer executiva. Preencher fichas de EPI, entregar os EPIs, controlar estoque, controlar descarte, realizar pedido de compras etc. Um outro defendendo que não: o técnico deveria tão somente auditar esses itens, mas não “pôr a mão na massa”, porque isso seria atividade para outros profissionais, como o almoxarife, por exemplo. Logo uma chuva de achismos e acusações sobre a utilização de uma máquina “que tiraria o emprego de um TST” fervilharam, e tantas outras defesas apaixonadas de evolução e modernização também pipocaram.
Afinal o que é ser TST? O que é que faz um TST? E por que mesmo dentro da própria classe não chegamos a um consenso sobre isso? A rigor, conforme a Classificação Brasileira de Ocupações – CBO 3516-05 é o seguinte: Participam da elaboração e implementam política de saúde e segurança do trabalho; realizam diagnóstico da situação de SST da instituição; identificam variáveis de controle de doenças, acidentes, qualidade de vida e meio ambiente. Desenvolvem ações educativas na área de saúde e segurança do trabalho; integram processos de negociação. Participam da adoção de tecnologias e processos de trabalho; investigam, analisam acidentes de trabalho e recomendam medidas de prevenção e controle.
Ou seja, o TST é o responsável pela promoção da saúde, pela proteção da integridade do colaborador em seu local de trabalho e pela proteção do ambiente onde as atividades são realizadas. Dentro da empresa o TST é a autoridade máxima em Segurança do Trabalho, Saúde Ocupacional. Sua função não é executiva, mas sim normativa controladora e orientadora.
Mas como eu disse antes, a realidade vem como um tijolo caindo do 8º andar. Ainda há muitos profissionais realizando trabalho de almoxarife, de motorista, de office-boy, de entregador e milhares de outros desvios, mascarados de “atividades pertinentes à Segurança”. E que por necessidades diversas acabam aceitando, acumulando e realizando atividades completamente fora do escopo de segurança.
Ser TST é ser a corda de um cabo-de-guerra muito difícil: é ter a empresa te puxando por uma perna, os funcionários te puxando pela outra perna, a ética de trabalho te puxando por um braço, a necessidade financeira puxando o outro braço e a legislação puxando pela cabeça. Às vezes pode ser necessário cortar um membro. E a escolha precisa ser sábia. Em virtude do avanço da tecnologia e da introdução de novos equipamentos de alta performance como leitores biométricos, máquinas dispenser, equipamentos de
medição cada vez mais precisos que são empregados nos mais diversos segmentos, a serviço da segurança e da assistência à saúde serão necessários cada vez mais técnicos que conheçam a legislação, que interpretem as entrelinhas com cada vez mais acurácia. Mas veja bem: conhecer e interpretar A LEI, não o que cada um acha que é certo.
O importante dessa discussão é que trouxe uma informação relevante: a realidade do coleguinha não é igual à minha, logo, a minha forma de pensar, a minha experiência e a minha opinião não se aplicam no contexto dele. É preciso calçar o sapatinho do outro antes de achar que o colega é “nutella”.
Micheline Trindade – Especialista em Segurança do Trabalho
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